[Resenha] O Diário de Myriam - Myriam Rawick e Philippe Lobjois

O Diário de Myriam || Não-Ficção || Myriam Rawick e Philippe Lobjois || 320 || 2018 || DarkSide Books

Sinopse: 
De um lado, uma menina judia que passou anos escondida no Anexo Secreto tentando sobreviver à guerra de Hitler. De outro, uma garota síria que sonha ser astrônoma e vê seu mundo girar após a eclosão de um conflito que ela nem mesmo compreende. Mesmo separadas por mais de setenta anos, Anne Frank e Myriam Rawick têm um elo comum: ambas são símbolos de esperança e resistência contra os horrores de um país em guerra e acreditam no poder das palavras.
‘O Diário de Myriam’ é um registro comovente e verdadeiro sobre a Guerra Civil Síria. Escrito em colaboração com o jornalista francês Philippe Lobjois, que trabalhou ao lado de Myriam para enriquecer as memórias que ela coletou em seu diário, o livro descortina o cotidiano de uma comunidade de minoria cristã que sofre com o conflito através dos olhos de uma menina.

Assim como acompanhamos a Segunda Guerra Mundial pelos olhos da pequena Ada em A Guerra Que Salvou a Minha Vida e A Guerra Que Me Ensinou a Viver, O Diário de Myriam apresenta a perspectiva de uma menina que teve sua infância roubada ao crescer rodeada pelo sofrimento provocado pela Guerra da Síria, iniciada em 2011. Myriam começou a registrar seu cotidiano após sugestão da mãe, que propôs que ela contasse tudo aquilo que viveu para, um dia, poder se lembrar de tudo o que aconteceu.

Escrito entre novembro de 2011 a dezembro de 2016, o diário alterna entre as doces memórias do passado na cidade de Alepo e os dias doloridos e carregados de incertezas. E é com a sensibilidade de uma autêntica contadora de histórias que ela narra a preocupação crescente de seus pais com as notícias na tv, as pinturas revolucionárias nos muros da escola, as manifestações contra o governo, a repressão, o sequestro de seu primo e, por fim, os bombardeios que destroem tudo aquilo que ela conhecia.

E mais um lançamento da Dark chega para me arrebatar, logo que vi a capa e o contexto do enredo fiquei interessada, histórias como a de Myriam, são as minha melhores leituras, não pelo livro em si, já que seria impossível dar uma nota para tanta dor, mas porque os mesmos me fazem ver a vida com novos olhos, e acho que o mundo precisa desse choque de realidade, dessa humanidade que cada dia mais se extingue do mundo.

Myriam Rawick começou a escrever em seu diário com 6 anos de idade, nele ela vai relatando os pequenos acontecimentos do dia que merecem ser registrados, mas quando o exército rebelde invade Alepo e chega a Jabal Sayid, o bairro onde Myriam mora com a sua família, os relatos começam a ficar cruéis, tristes e amedrontadores.

Além disso, vou logo mudar de escola, pois há alguns dias umas granadas caíram a dez metros do pátio do recreio.

A Síria já está em guerra há mais de 7 anos, durante todo esse tempo, já foi registrada a morte de 500 mil pessoas, meio milhão de inocentes, entre eles, mulheres, idosos e crianças. Uma guerra que já não possui mais sentido e muito menos previsão de fim. Aquilo que era uma revolução contra a presidência de Balshar alAssad acabou se tornando uma luta de poder onde vários países alegaram estar dando apoio para lutar pelos seus próprios interesses dentro do país.

Myriam é apenas mais uma das crianças que sofre com essa atrocidade, que se vê proibida de viver sua infância, de brincar na ruas e de dormir se sentindo segura e protegida no seu lar. E foi pensando nisso que o repórter Philippe Lobjois viajou para a Síria, em busca de relatos sinceros que pudessem tocar os corações daqueles que assistem essas atrocidades na segurança do seu lar.

O Diário de Myriam, considerado o Diário de Anne Frank da atualidade, é o relato sensível e inocente de uma criança que vivenciou uma chacina e aprendeu sobre aquilo que nem deveria saber existir: morte, calibres de armas e como se esconder de uma bomba. É o relato de uma criança que representa um país em destruição pelas mãos daqueles que deveriam protegê-la. Homens cruéis e sem escrúpulos que na sua ganância por poder, já não separam mais ou poupam a vida daqueles cujo o único erro é viver em um lugar tão aterrorizado.

A catedral maronita da cidade foi atingida e destruída. Parece que todo o teto caiu. Aqui, até mesmo Deus não tem mais casa.

Acompanhar  o sofrimento de Myriam, é um tapa com luva de pelica na cara daqueles que reclamam do que tem, óbvio que não podemos julgar nossa dor, com base na dor do coleguinha, mas ler relatos como o da Myriam nos faz criar consciência e nos mostra que nem tudo é tão ruim quanto parece. Por pior que seja seu dia, você ainda pode erguer a cabeça e alterar seu fim, porque afinal, só depende de nós mesmos. mas no caso de Myriam, sua vida está nas mãos daqueles que já nem sabem mais como lidar com o ser humano, refém de uma guerra sem fim, sem ter para onde ir.

O Diário de Myriam teve sua versão publicada no Brasil esse ano de forma inédita, já que o mesmo só teve sua publicação feita em mais 2 países além do nosso. Com uma edição brochura repleta de gravuras e cartas dos alunos que pediram que esse livro viesse para o Brasil, mais uma vez Darkside mostra que seu amor pela arte vai além dos padrões. Um livro que não pode ser medido nem classificado por sua história, dar cinco estrelas para tamanho sofrimento seria o mesmo que apoiar a dor alheia.

(...)Não pude evitar uma poça de sangue em que acabei pisando.

Se ao ver essas imagens, ainda sim você não sente dor pelos inocentes, talvez esteja mesmo na hora do apocalipse e já não haja esperança para o amor ao próximo.

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